Entrevista com David Fonseca
Entrevista com o David Fonseca no festival O Sol da Caparica.
No último dia da primeira edição do festival O Sol da Caparica conversámos com o cantor David Fonseca, e foi a nossa última entrevista. Aqui fica o relato dessa conversa. Na entrevista, falámos sobre vários temas, como, por exemplo, dos Silence 4, sobre fotografia, do seu último álbum lançado em 2012, e ainda ouvimos uma situação engraçada que aconteceu na Costa porque "o que acontece na Costa, fica na Costa".
Fizeste 10 anos de
carreira a solo no ano passado. Alguma vez pensaste que chegarias tão longe ou
nem por isso?
Não. Quando comecei a fazer música pensei que ia fazer um
disco com os Silence 4 e que ia para casa, essa era a ideia. Acabei os Silence
4 e fiz o primeiro disco a solo e nem sequer sabia que isso ia acontecer, e fui fazendo
aquilo. Sempre tive a ideia secreta de sair da música e fazer fotografia que
era o que eu queria fazer. Então, sempre achei que fazia só mais um disco e
depois ia à minha vida só que depois esta atividade é muito… como é que eu
hei-de explicar? É muito viciante. A forma como uma ideia tão simples como uma
canção consegue tomar conta da vida de uma pessoa durante 1 ano, 2, ou 3 e eu
sou fascinado com isso. Uma fotografia é o contrário disso. Ela é feita, mas
depois de feita vai para uma parede ou vai para um livro e morreu, quer dizer,
acabou ali. E a música não. Uma pessoa faz uma canção, depois faz um disco,
depois vem tudo agarradinho. Eu adoro fazer isto. Acho que é por isso que durou
tanto tempo, mas nunca esperei que durasse tanto tempo. Eu estou sempre à espera
que a qualquer momento acabe e que eu queira fazer outra coisa, mas não me
preocupo muito com isso.
Já agora, referiste
que gostavas muito de fazer fotografia. Se entretanto acabar a carreira musical
estás a pensar em continuar a fazer fotografia?
Eu continuo a fazer. Não tenho é tempo para fazer muitas
coisas que eu gostava de fazer. Julgo que sim, que é uma das coisas que eu iria
fazer. Acho que a fotografia é uma atividade muita solitária e
eu sou uma pessoa que gosta de estar junto de outras e a fotografia é quase o
contrário disso. É uma atividade que na sua forma de ser é muito virada para
dentro, e eu acho muito chato essa parte da fotografia, por isso, talvez tivesse
que fazer outra coisa qualquer.
Portanto, a música está mesmo em primeiro.
É. Eu digo que sempre que eu não escolhi bem esta profissão eu acho
que ela me escolheu a mim. Eu tinha isto como um passatempo e é incrível uma
pessoa tornar um passatempo numa profissão. É como uma pessoa que gosta muito de
jogar golf e de repente dizem-lhe "olha afinal já não tens que ir para o teu no
escritório, podes jogar golf todos os dias" e foi isso que me aconteceu. Eu de
repente queria fazer aquilo todos os dias. É uma maior responsabilidade e é
diferente quando deixa de ser um passatempo. Passa a ser outras coisas de que
eu não estava à espera. A profissão traz partes mais densas disto, mas eu acho que
valem todos a pena.
Sentes que já fizeste
tudo o que querias a nível musical ou vais sempre continuar a explorar e a
tentar desenvolver algo novo?
Eu acho que ainda não fiz quase nada, mas isso mais uma vez é
da forma como eu sou. Tenho sempre a sensação que o mais interessante está
sempre para vir. Em relação a tudo, não só
na música. E não
gosto muito de viver no passado nem de olhar muito para trás, acho que é tudo
muito chato. É muito raro fazer coisas relacionadas com o passado. Aliás, este
ano reunimos os Silence 4 por causa da nossa vocalista que tinha tido uma
doença terrível que recuperou e a primeira coisa que ela me disse foi "eu já sei
que tu odeias estas coisas" e ela sabe que eu não gosto da ideia de voltar a um
sitío e fazer a mesma coisa, e ali abri uma exceção, claramente, e disse mesmo "eu
faço o que tu quiseres. Se quiseres fazer um concerto num bar lá na terra a
gente faz" era completamente indiferente. Eu fiquei tão contente dela ter
recuperado daquilo e foi uma coisa que acompanhei durante tanto tempo, uma
recuperação longuíssima que achei que valia fazer uma exeção daquelas, mas é
raro.
Por falar nos Silence
4, as pessoas reagiram muito bem a esses concertos e talvez por causa disso vocês já
pensaram voltar a fazer mais concertos?
Não, nós já fechámos esse capítulo porque nunca foi essa a
ideia. A ideia quando nos reunimos, decidimos que queríamos fazer aqueles
concertos porque cada um ia à sua vida novamente. Estava tudo bem. E acho que acima
de tudo é normal que as pessoas queiram que estes projetos voltem porque estes
projetos acabam por viver um bocado intocáveis no imaginário das pessoas. Muitas dessas pessoas viveram a música dos Silence 4 numa altura em que tinham 16,
15, 17 anos e agora já passaram muitos anos, e é um bocadinho como regressar a esse tempo. Acho
que é por isso que as pessoas gostam de olhar para o passado. Não necessariamente
por aquilo fazer parte da sua vida presente é mais porque faz lembrar outra
coisa lá atrás e eu acho a ideia interessante, mas não é cativante para mim
porque a ideia de passar agora durante um ano a tocar canções que eu fiz há 15
ou há 16 não tenho interesse nenhum nisso .
E já agora, está nos
planos os Silence 4 gravarem alguma coisa ou isso está totalmente de fora?
Gravar? Não! Completamente fora. Nós reunimo-nos literalmente para fazer o reportório que nós tínhamos. Só mesmo para recordar aquilo. Fazer uma festa. Fizemos uma festa enorme
aquilo foi espetacular e adorei, mas foi só isso. Aliás, depois acabámos em
Leiria onde fizemos o último concerto e foi um momento muito desigual para nós
que veio demonstrar que uma banda a tocar num estádio na sua cidade natal e encher
o estádio é uma coisa muito comum, acontece todos os dias, e eu quando vi aquilo
acontecer pensei "este é o momento ideal para nós fecharmos isto e irmos cada um à
nossa vida" porque acaba tudo numa festa muito grande e isso era importante
para nós que isso fosse assim e se continuássemos a tocar as coisas enjoavam-se
de uma maneira diferente. Já era quase uma repetição de uma coisa, e fizemos
uma grande festa e acho que ainda bem que aconteceu dessa forma, para nós e para as pessoas que
nos viram.
O teu último álbum "Seasons: Rising: Falling" foi dividido em duas partes. Como foi lançar dois
álbuns num ano, deu mais trabalho ou nem por isso?
Deu porque é um disco duplo. Eu fiz, sei lá… quarenta
canções para aquele disco, saíram vinte seis ou uma coisa assim...
E era para ser
dividido em quatro partes.
Era para ser dividido em quatro partes, era. Só que a
editora não gostou da ideia. Achava que eu ia dar cabo, mas consegui convencer a fazer dois. E a fazer
um e depois lançar um de cada vez e tal. É difícil porque é muita informação
num espaço curto de tempo. O disco acabou por ter seis singles, é muita
informação, são muitas canções e acabou por ser também duro para as pessoas que
acompanham o meu trabalho, mas acabou por resultar muito bem ao vivo e muito
bem em disco. Eu gostei muito dessa experiência. Foi uma maluquice da minha
cabeça que eu quis pôr em prática e agora estou pronto para fazer outra coisa também
com o álbum que vai sempre dar a volta. Eu digo sempre que enquanto isto
for interessante desse ponto de vista valerá sempre fazer. Evito fazer só mais
um disco ou fazer só mais uma coisa só porque sim, não me diz muito. Eu gosto
mais de saber que vem uma coisa nova e que eu vou fazer qualquer coisa que
ainda não fiz e que vai ser uma coisa nova também para mim, acima de tudo. Por isso
é que olho para as lições dos discos de uma forma também tão entusiasta. Sou muito
entusiasta com os discos porque para mim aquilo é como se fosse sempre o
primeiro. Estou muito contente a lançar o disco, e estou a fazer uma coisa que nunca fiz e tenho medo do que vai
acontecer e tal. Mas enquanto isso for assim é porque eu estou a fazer a
atividade bem porque no dia em que sentir que vou fazer só mais um disco, eu
prefiro sair. Aí sim, eu prefiro não fazer porque acho que isso não tem piada absolutamente
nenhuma e prefiro fazer uma coisa que tenha uma ligação com essa inquietude que
tem a ver com a minha personalidade.
Ou seja, é o que
estiver bem para ti e para o público.
Sim, para mim e para o público. Sabes que eu defendo muito
que os artistas não devem ser um descanso para os olhos do público, ou seja, o
público não pode olhar para um artista e pensar "oh que bom que ele fez
esta música outra vez, que eu estou a ouvir esta sonoridade outra vez e que
descanso que é este artista produz sempre esta coisa", eu acho que o artista deve
ser uma chapada para o público, uma surpresa, um virar agora para este lado agora
para aquele. E eu considero que isso é o
que torna mais interessante a vida de um músico. É mais difícil, nem todo o
público pensa assim, mas eu penso que deve ser assim, por isso, é que eu faço as
coisas desta forma.
Nos teus concertos
costumas contar algumas piadas e situações engraçadas sobre os locais dos concertos, por isso, tens alguma
história engraçada sobre a Costa da Caparica?
Por acaso tenho. Eu tenho histórias sempre de tudo. Mas há
muitos anos atrás, os Silence 4 fizeram aqui os primeiros concertos. Nós estávamos
em digressão há três semanas depois do disco sair éramos uma banda recentíssima,
completamente desconhecida. Na altura estávamos com o disco de estreia. Nós tocámos
num festival aqui, nós viemos para o ensaio e aquilo era filmado pela televisão
na altura e tivemos que fazer um ensaio noturno que era para a televisão fazer
as câmaras e ver o que conseguia e tal, e aconteceu uma coisa horrível nesse
ensaio. O senhor que estava numa câmara de filmar, deu um passo ao lado, a
câmara estava altíssima e ele caiu com a câmara agarrada, tudo junto e
espatifou-se tudo no chão e eu lembro-me de ficar a olhar para o homem e eram
duas da manhã já, e olhei para ele e pensei (juro pensar assim) "então é isto que é o show business!"
(risos). O senhor teve que ir para o hospital, depois ele ficou bem. A câmara é que foi para o lixo. Na altura, nós não tínhamos muita
experiência de palco e a ideia de que era tudo muito divertido, era uma festa,
de repente eu vi um bocado o lado mais difícil de construir palcos, de pôr
câmaras e de ter cuidado com os sitíos onde uma pessoa pisa, etc. De repente, eu pensei "Ah, o
mundo profissional não é só esta ideia de festa. Que bom, vamos tocar" porque
na altura era só o que nós pensávamos. Sabia lá onde é que era o palco, onde é
que eram os pedais. Não sabia nada disso, e essa foi a primeira coisa me pôs a
pensar "eu tenho que ter atenção aos detalhes técnicos para isto não nos
acontecer, para ninguém cair lá no palco, para a bateria não cair em cima ou
para eu não cair em cima da bateria ou uma coisa qualquer". Mas lembro-me dessa
história, desse momento na Caparica.
Texto e fotos: Iris Cabaça
Entrevista com David Fonseca
Reviewed by Watch and Listen
on
setembro 04, 2014
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