Entrevista a Davide Pinheiro: "Penso que ao fim destes dois anos tenho o meu cantinho mas é um espaço de nicho"
O Watch and Listen teve oportunidade de estar à conversa esta semana com o Davide Pinheiro, criador do blog Mesa de Mistura, que celebra dois anos este sábado no Musicbox. Ficámos a saber mais sobre a criação do blog e até sobre qual é o álbum de eleição de Davide Pinheiro.
Abaixo, fica a entrevista na íntegra.
Como surgiu a ideia de criares a Mesa de Mistura?
Escrevo sobre música há dez anos.
Estive seis no Diário de Notícias, entre 2005 e 2011, e vivi o epicentro da
transição do papel para o digital. À medida que os sites passaram a ser a fonte
primária de consulta da novidade e
vários nichos emergiram nesse processo de mudança, senti que em Portugal
os meios ainda estavam muito institucionalizados. Salvo raras excepções, não
encontrava nos sites aquilo que as redes sociais já me estavam a dar. Nem
forma, nem conteúdo. Em 2011, e depois de muitos debates internos e conversas,
concluí que um blogue seria a melhor forma de encontrar um compromisso entre um
canal de música com uma marca individual e uma possível identificação
colectiva. Entre a ideia e a concretização, passou cerca de ano e meio. Demorou
mas quando aconteceu, tinha o projecto maturado na cabeça.
Em que é o teu blogue difere dos outros?
Há poucos blogues de música em
Portugal. Sites sim há muitos mas são modelos diferentes. Para mim, um blogue
tem que ter uma marca individual. Autoral, de género, ou ambas, e infelizmente
há poucos exemplos. Por vezes, as pessoas queixam-se de não haver informação de
qualidade mas esquecem-se que podem deitar mãos à obra sem custos nem grande
desgaste e dar largas à imaginação. Acho que a Mesa de Mistura começa por diferir logo aí. É o blogue de alguém
que viveu a máquina por dentro, se cansou desse modelo e decidiu que devia ir
por uma estrada paralela para contornar o trânsito. Isso implica fugir aos
modelos normalizados como os notícias de concertos ou de discos que todos vão
dar da mesma forma - não quer dizer que não possa dar essa informação mas nunca
será o ênfase - e procurar conteúdos próprios. Alguns meus e outros em
colaboração com músicos como a secção Guest List que todas as semanas tem um
convidado a escolher vídeos, álbuns, canções, etc. Do ponto de vista da
linguagem, quis incluir e não excluir. Quero que os leitores sintam que estou a
conversar com eles e não a pregar do alto de um tempo inatingível.
Musicalmente, penso que a Mesa de Mistura
difere ao apostar em nova música portuguesa, emergente ou pura e simplesmente
desconhecida, em prestar muita atenção ao que está a acontecer na música negra
(hip-hop e r&b). Mas não é um blogue de género. De todo.
Como te sentes ao perceberes que já passou dois anos desde o
início do projecto?
Sinto que estou velho! Agora a
sério, fico contente por me levantar todos os dias e fazer aquilo que gosto mas
sou demasiado novo para me deter no que está para trás. Penso sobretudo no que
vai ser e não tanto no que foi. Estou em 2014 a pensar em 2030 e não em 2012.
Está sempre tudo por fazer.
Quando começaste com a Mesa
de Mistura pensaste que ias ter o impacto que tiveste?
Bom, depende do que se entender
por impacto. Penso que ao fim destes dois anos tenho o meu cantinho mas é um
espaço de nicho - ainda que eu entenda que essa minoria é mais imensa do que
por vezes se julga. Parte do trabalho foi facilitado por ter um trajecto
anterior à Mesa de Mistura. Já trazia
contactos e conhecimento adquirido mas foi necessário mudar o chip em relação ao que fazia. Estou
contente mas não deslumbrado. É possível continuar a crescer sem relaxar.
Porque é que decidiste festejar o aniversário da Mesa de Mistura no Musicbox?
Há quem tenha uma segunda casa.
Eu tenho um segundo clube. O primeiro é o Barcelona e o segundo é o Musicbox,
meu parceiro desde o princípio onde fiz todas as festas até hoje, onde
comemorei o primeiro aniversário com um concerto de homenagem ao Prince e onde
sou curador das noites regulares Other Ground. Não faria sentido ser noutra
sala.
Como descreves o cenário da música em Portugal, neste momento?
Rico, variado e fragmentado.
Confusas? É natural. O mapa musical português, ou de outro país qualquer, é uma
consequência da sociedade em que vivemos. Nunca houve tanta informação
disponível e a música é só uma parte dessa hiperactividade de produção e
consumo em ambiente digital decorrente da heterogeneidade de canais para
comunicar e ferramentas para criar. Este fenómeno da multiplicação levou a que
a velha indústria fosse substituída por uma nova indústria, a da tecnologia, e
daí ao nascimento de novos gigantes com o YouTube e o Spotify. Esse efeito
exponencial também chegou a Portugal. Há muito mais música, pequenas editoras,
edições de autor e pequenas produtoras. Só o mercado não estica o que provoca
uma entropia: muita gente a querer, pouca gente a poder. Sumariando, faz-se
muito melhor música em Portugal do que há dez ou vinte anos, há muito mais
canais de divulgação e público interessado mas também problemas sistémicos. Por
exemplo, parece que tudo ainda acontece demasiado em Lisboa e Porto. Era
suposto as auto-estradas não serem apenas de alcatrão mas também de informação
- talvez seja a consequência da televisão medíocre e jurássica que temos. Um
problema que nem a Internet resolve. Há uma série de outros defeitos. Sinto que
os festivais estão a ir no caminho errado, que Lisboa quer demasiado ser
Brooklyn e que a música electrónica em Portugal continua a ser um parente
pobre, quer do ponto de vista de quem cria, quer de quem ouve. Por outro lado,
o emagrecimento do mercado reavivou o pior que há nos lobbies e no institucionalismo quando a cultura democrática da
Internet estava a ser um foco de combate a esse passado resiliente. Não guardei
o lamento para o final por acaso. Gosto de olhar para os bons exemplos e
felizmente há vários.
Já foste a tantos concertos e festivais, consegues escolher
um preferido?
Concerto não mas o meu festival
favorito é o Boom. É o único que pode reclamar para si uma imagem muito usada
pelas marcas e pelo marketing: a experiência imersiva. É outro mundo num lugar
paradisíaco. Uma civilização impossível na cidade.
E para terminar, qual o teu álbum favorito?
O mais perfeito que já ouvi. Thriller de Michael Jackson. É também o
mais vendido da história, o que prova que o êxito pode acompanhar a exigência e
que toda a música é comercial a partir do momento em que está no mercado. Isso
não a torna melhor nem pior nem a pop é o inimigo.
Entrevista a Davide Pinheiro: "Penso que ao fim destes dois anos tenho o meu cantinho mas é um espaço de nicho"
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novembro 13, 2014
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