Toty Sa'Med e Salvador Sobral no EDP Cool Jazz: a curadoria imprevisível
Toty Sa'Med trouxe Angola ao Parque Marechal Carmona e a viagem fez-se em primeira classe. Uma das novas caras da música africana, Sa'Med surpreendeu a plateia com a calma que carrega na voz, acompanhado de duas guitarras e de uma presença de espírito intensa. INGOMBOTA, o seu EP de 2016, deu asas a um espectáculo de ritmos assentes na diversidade, perdidos algures entre o funk, o rock psicandélico, o jazz e a música urbana angolana. Pelos jardins do parque, ecoaram temas como Kizua Ki Ngi Fua e Hoola Hoop, este último com um pedido à plateia: pediu-lhes a voz ou, pelo menos, as palmas. Afinal quem pode canta, quem não pode bate palmas, ensinamento que passou num tom brincalhão. E se Sara Tavares já tinha feito parte dos artistas que pisaram os palcos do EDP Cool Jazz (no mesmo dia de David Byrne), voltou a espalhar a sua magia através da colaboração Brincar de Casamento; foi uma pena não ter voltado para emprestar a voz a este espectáculo, mas perdoamos. Não apenas de influências musicais se constrói um artista e o cantor angolano sabe-lo: fez questão de dedicar parte do seu repertório a Nelson Mandela, através do kimbundu, em celebração do centenário de um dos mais importantes líderes políticos da África Negra e do Anti-Apartheid. Não tocou durante tempo que chegasse para namoros com a plateia, mas foi com o poema musicado de Viriato da Cruz, Namoro, que Toty se despediu e conquistou alguns ouvidos curiosos no começo da noite.
A atuação mais esperada e que artisticamente carregou nos ombros a curadoria de mais uma noite de EDP Cool Jazz: Salvador Sobral. O menino de ouro da Eurovisão de 2017, é certo, mas que provou, mais uma vez, que não deve ser limitado a qualquer grande título e que a sua música esteve e estará sempre para quem a quiser ouvir. Este não foi apenas um espectáculo do Salvador Sobral; foi conhecer a génese do Salvador e perceber de onde chegam as ondas de inspiração de uma das melhores vozes do panorama musical português. Com André Rosinha no contrabaixo, Bruno Pedroso na bateria, Júlio Resende no piano e Ricardo Toscano no saxofone, fomos conduzidos numa viagem com paragem no outro lado do oceano e no país vizinho, sem esquecer outros recantos. Os cintos de segurança apertaram com But Not For Me de Chet Baker e a viagem continuou segura com Fina Estampa de Caetano Veloso. Não foi preciso deixar Portugal para trazer o nome de Luísa Sobral, cantora e irmã de Salvador, aos ouvidos da ribalta e reafirmar o laço entre os dois: a inspiração carinhosa espelhou-se em I Might Just Stay Away, um original da mesma. Não é difícil perceber que Janeiro é afilhado musical de Salvador, não fossem o expoente da descontração em palco e das piadas despreocupadas, e a este círculo juntou-se também Tiago Nacarato; duas vozes em ascensão na música nacional e que fizeram parte dos convidados deste concerto. Os presentes tiveram a sorte de ouvir Amar pelos Dois, como se não bastasse para marcar a diferença do habitual alinhamento, num ritmo mais jazz. Não faltaram os mais recentes originais, Mano a Mano e Cerca del Mar, cantados em espanhol. Foi com Drume Negrita que anunciou a aterragem, de volta à fria cidade de Cascais. O EDP Cool Jazz pediu algo inédito e Salvador soube garantir algo inesquecível. Longe estão os tempos em que apenas dois braços na multidão podiam acenar quando confrontados com conhecer ou não a voz de Salvador Sobral (e ainda bem).
Toty Sa'Med e Salvador Sobral no EDP Cool Jazz: a curadoria imprevisível
Reviewed by Carina Soares
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julho 31, 2018
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