Não são mil e uma noites, são três noites de MIL (2019)
O espetáculo de abertura do MIL deste ano consistiu em juntar a música lusófona no B.leza. Do lado português, Lula Pena foi a representante e do lado brasileiro foi Letrux. Lula Pena chegou apenas com a sua guitarra e conseguiu trazer um ambiente intimista, cativando os mais atentos com a sua serenidade. Ao longo do concerto, apresentou alguns dos temas que mais marcaram a sua carreira. Já Letrux foi exatamente o contrário, apesar de Lula Pena se ter juntado à cantora brasileira para cantarem juntas. A artista brasileira fez a festa de abertura e quase mandou o palco abaixo. Veio apresentar o seu álbum de estreia "Letrux Em Noite de Climão" de uma forma maravilhosa e impactante. Gritou mensagens políticas como "fora Bolsonaro" e "Lula livre", fez referências astrológicas e também passou mensagens feministas. Ao mesmo tempo, a teatralidade que transpareceu enquanto falava e atuava contribuiu para a euforia do público. Assim, foi um bom começo para o festival. Para culminar todo este conceito, Noite Bacaneza trouxe música ao resto da noite.
O reggaeton feminista abanou o Titanic Sur Mer com os ritmos urbanos de Bea Pelea. A espanhola de Málaga veio substituir A.Negra e ficou longe de ser um dos concertos mais cheios desta edição do festival. Apesar de pouco conhecida, Pelea abriu a pista para aqueles que quiseram dar meia hora do seu tempo para dançar ao som de músicas do álbum Reggaeton Romántico (Vol. 1), lançado o ano passado. A confiança em palco foi evidente e mostrou-se através de temas como La Gasolina, Si No Te Vuelvo a Ver ou Sé Que Me Buscas.
O Roterdão recebeu a Lisboa de Pedro Mafama e fê-lo de casa cheia. Numa "misturada" entre os beats da multiculturalidade lisboeta, que abraça o fado e o afro, Mafama apresentou-nos temas como Lacrau, Jazigo, Como Assim e Arder Contigo. Num segundo plano a soltar os beats e a sonoridade envolvente, Kamila Ferreira, metade da dupla Cara//vag//yo e DJ de Pedro Mafama. A casa estava cheia e foi abaixo.
Já Pongo veio apresentar o seu EP Baia (2018) no Musicbox. No princípio do concerto, soube-se logo que a cantora e ex-voz dos Buraka Som Sistema chegou para arrasar. Os temas como Baia, Tambulaya e Kassussa - Kassusa Só meteram o público a dançar, incluindo pessoas estrangeiras que, provavelmente, nem sabiam quem era. Os dois bailarinos que a acompanham também ajudam à festa e conseguem animar e provocar ainda mais hype em quem assiste ao espetáculo. Ainda houve tempo para momentos um pouco mais calmos com a música Kuzola - Meu Amor Me Deixou. Ao mesmo tempo, Pongo mostrou que é o membro mais underrated dos Buraka e talvez o que anda mais nas sombras nestes últimos anos. Contudo, neste concerto, percebeu-se que está pronta para atuar mais vezes a solo e para públicos diferentes.
Um Blaya de letras gigantes no fundo do Estúdio Time Out e uma Blaya gigante no centro do palco. O furacão Blaya já nos habitou a tonificar o corpo a partir do momento em que ouvimos os primeiros sons dos seus concertos e desta vez não foi diferente. Puxou pelo público como ninguém, pedindo proximidade e muita dança. Não se ficou pelo palco: desceu para a plateia e não parou um segundo. Mas este esteve longe de ser um concerto de olhos postos apenas na Blaya, não estivesse rodeada de bailarinos que fizeram o palco tremer tanto como ela própria. Ouvimos e dançámos Faz Gostoso, Eu Avisei, Vem na Vibe e Má Vida. Ficámos na má vida, dançámos, suámos e saímos com a dose habitual de girl power.
É quase errado dizer que vimos um concerto de Edgar. A experiência proporcionada pelo rapper paulista vai muito além de um concerto: é uma combinação entre o som, o disfarce e a revolução. É um abre-olhos para as realidades de quem não tem voz por esse Brasil fora. O anticapitalismo, a dormência da pressão social, o abuso policial ou a desumanização das pessoas são alguns dos temas que inspiram a perfomance do brasileiro. O Amor Está Preso?, Print, Liquida ou Felizes Eram Os Golfinhos foram algumas das canções que agitaram a força social do público do Musicbox.
Não foi surpreendente que o Musicbox estivesse a rebentar pelas costuras muito antes do concerto de Conan Osiris. Depois de se tornar o vencedor do Festival da Canção e representante de Portugal na Eurovisão, ninguém ficou indiferente ao rapaz que criou algo nunca antes visto na música nacional e poucos foram aqueles que não procuraram um espaço na sala, sendo já fãs ou apenas estando curiosos. Acompanhado sempre do incontrolável bailarino João Reis Moreira, nunca perdeu a habitual descontração e interagiu constantemente com o público, através dos "em baixo, em baixo" na Borrego ou dos "foda-se, vocês dão calor a um gajo" na Baralho. Para além da esperada Telemóveis, que fez o público cantar em uníssono sem falhar uma palavra, a noite foi roubada pela Celulitite do álbum Adoro Bolos (2018). O público foi convidado a subir ao palco e dar tudo a dançar sem quaisquer complexos e limites, num mood de "eu 'tou-me a cagar e tu também devias 'tar". Para vir dizer um "até já", Conan desceu do palco e cantou Amália, quase num tom de agradecimento ao público. Mais um concerto que mostrou a humildade e genialidade tão habitual do artista.
Dope Saint Jude revelou-se uma das melhores surpresas neste último dia do MIL. Após o concerto de Conan Osiris, parecia que se podia dar o festival por encerrado, mas Dope Saint Jude tornou-o impossível. Com o seu sotaque sul africano, a rapper, agora baseada em Londres, trouxe uma energia inigualável, fazendo as pessoas saltarem e gritarem ao som dos seus temas. A felicidade contagiante que se notava na sua cara foi uma ótima forma de terminar a maratona de concertos.
A noite final foi do Musicbox e o MIL foi de Lisboa e do mundo.
A noite final foi do Musicbox e o MIL foi de Lisboa e do mundo.
Não são mil e uma noites, são três noites de MIL (2019)
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maio 10, 2019
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