NOS Primavera Sound: quando o flamenco vai além fronteiras
O terceiro e último dia do NOS Primavera Sound foi provavelmente o dia mais cheio deste ano. Com nomes como O Terno, Jorge Ben Jor, Yves Tumor ou Rosalía e o sol a mostrar-se brilhante, fechou assim mais uma edição.
Esta começou com um concerto dos Shellac à entrada do recinto. A banda atuou pela segunda vez nesta edição e aqui ainda mais perto dos seus fãs. A seguir e abrir o Palco Seat, estiveram os brasileiros O Terno, a banda de Tim Bernardes, Guilherme D'Almeida e Gabriel Basile. O trio veio apresentar o seu mais recente e maravilhoso disco <atrás/além>, editado no passado mês de abril, e trouxe o calor e o amor de São Paulo consigo. Um concerto simples, sereno e caloroso era o que fazia falta nesta tarde.
We're Hop Along from Philadelphia, Pennsylvania, United States. A banda americana abriu o Palco NOS. Não sendo visivelmente um dos favoritos do público, reuniu ainda assim alguns entusiastas e uns quantos curiosos que ocuparam tempo depois de O Terno. Frances Quinlan é vocalista e guitarrista nos Hop Along e deu voz a temas como What The Writer Meant ou How Simple.
Lucy Dacus regressou a Portugal, depois da sua passagem pelo Vodafone Paredes de Coura no ano passado, com o seu álbum Historian na bagagem. O seu ar tímido juntamente com as suas letras que podiam ser contos curtos e a sua voz doce são o que tornam as músicas da norte-americana tão especiais. Houve tempo para uma cover de La Vie en Rose e para pedir desculpa sobre o seu país, os Estados Unidos, por tudo o que anda a acontecer lá. Addictions, I Don't Wanna Be Funny Anymore e a nova My Mother and I fizeram parte do alinhamento do concerto.
O prémio de concerto mais explosivo do dia foi para Amyl and The Sniffers. A banda australiana liderada pela vocalista Amy Taylor, desde os primeiros segundos que entrou em palco mostrou que não está para brincadeiras. O grupo trouxe o espírito do punk, que talvez era esperado por alguns festivaleiros, com as suas músicas rápidas que entram por um ouvido e saem por outro. A presença de Amy Taylor em palco é potente e não consegue ficar nenhum minuto parada sem andar de um lado para o outro e aproximar-se mais do público, o que ajuda a elevar ainda mais o nível rockeiro das atuações da banda. Um espetáculo enérgico e cru de uma banda em crescimento que tem tudo para se tornar num grande fenómeno.
Se o recinto foi pista de reggaeton na noite anterior, rapidamente se transformou em sambódromo no final da tarde. Se O Terno abriram suavemente as portas do Brasil, Jorge Ben Jor escancarou-as e fez o público dançar até mais não. Sempre com um sorriso de orelha a orelha, a banda arrancou com Jorge da Capadócia e a festa nunca mais parou. Até mesmo aqueles que não conheciam a carreira de Jorge Ben Jor, não ficaram calados a ouvir os êxitos Mas Que Nada ou País Tropical, acompanhando o cantor com palmas. No final, não deixou de agradecer ao público por ter estado a acompanhá-lo de forma tão maravilhosa e agradeceu a Deus pelas oportunidades que a vida lhe proporcionou. Foi uma rápida viagem ao Brasil, que deixou todos com o corpo leve e o sorriso na cara.
¡Madre mía, Rosalía, bajalé! A catalã Rosalía era um dos nomes mais esperados desta edição do NOS Primavera Sound, levando muita gente ao Parque da Cidade no último dia. A dez minutos da hora marcada para arranque do concerto, já se ouviam gritos dos fãs que repetiam La Rosalía e aguardavam impacientemente. O ecrã acendeu com uma sucessão da palavra Rosalía e Rosalía subiu ao palco vestida de branco tal anjo caído do céu, acompanhada pelas suas bailarinas e por El Guincho, co-produtor do álbum El Mal Querer (2018). PIENSO EN TU MIRÁ foi o som de partida para um dos concertos mais surpreendentes desta edição. No palco, uma Rosalía cujos movimentos pareciam automaticamente interligados às batidas contagiantes de Como Ali ou Lo presiento. Um regresso às raízes de Los Ángeles (2017), primeiro álbum da artista, veio com Catalina, uma dos escolhas mais emocionais do alinhamento e que deixou arrepios nos braços, tal foi a segurança e intensidade do falsetto da catalã. Do alinhamento, fizeram parte duas colaborações que já tinham sido ouvidas no Parque da Cidade no dia anterior: Barefoot in the Park (com James Blake) e Con Altura e Brillo (com J Balvin), assim como outros temas do mais recente álbum: DI MI NOMBRE ou BAGDAD. Rosalía desceu para perto do público duas vezes, uma das quais para pôr a primeira fila a cantar "olé olé" com ela, sempre dada a sorrisos e derretida pelos fãs. Não deixou de pedir "muito amor" para todos aqueles que a acompanhavam em palco. Os êxitos CON ALTURA e MALAMENTE chegaram explosivos e ditaram o final de uma hora de concerto, que soube a pouco e deixou o público a gritar "outra, outra". Rosalía assume uma posição camaleónica, transformando-se do pop ao flamenco, da electrónica ao reggaeton.
A melhor surpresa da noite foi para Yves Tumor, acompanhado pela sua banda. O projeto do músico e produtor Sean Bowie pode soar um pouco estranho na primeira audição, mas quando ouvido atentamente, tudo faz sentido. Quando entrou em palco, parecia escondido com as luzes azuis, mas mal se viu a sua figura alta com um casaco de cabedal, soube-se que seria um concerto imperdível. A presença hipnotizante de Yves Tumor é inigualável e impossível de se ficar indiferente. Os seus temas são música eletrónica experimental, mas depois entram ali riffs magistrais de guitarra que tornam tudo diferente e ainda melhor. Sendo uma das razões porque os seus concertos são tão únicos. Noid e Licking An Orchid são alguns dos temas que comprovaram isso. A mistura que Yves Tumor faz de eletrónica experimental com um rock sedutor é uma forma de olhar para o futuro, e ainda bem que nos deixou entrar na sua premonição.
Já começa a ser tradição o Palco Pull&Bear, que no ano passado foi apelidado de Palco Pitchfork, encerrar com um gay icon: há um ano terminou com Arca, e nesta edição, a honra ficou a cargo de Mykki Blanco. O rapper, que mora em Lisboa, não tem papas na língua e tentou fazer um espetáculo inclusivo para todos, LGBT+ ou heterossexuais, e conseguiu. Primeiro, entrou um bailarino vestido de anjo a falar em português com o público, e a seguir chegou Blanco com um vestido branco a fazer um pouco de teatro onde parecia reservado. Alguns segundos depois, descontrolou-se, começou a saltar por todo o lado para cima dos adereços que tinha no palco e das colunas e desceu para perto das pessoas. Tendo passado grande parte do concerto a atuar no meio do público e chegar-se perto do mesmo. Este espetáculo foi uma espécie de residência artística juntamente com um DJ set, liderado pela DJ Lyzza, e um concerto. De vez em quando ouvia-se temas de Britney Spears e Charli XCX enquanto Mykki Blanco fazia versos por cima. Dito assim, parece que foi uma grande confusão e foi, mas bastante controlada fazendo todo o sentido. Foi a melhor forma de encerrar a noite neste palco. A festa só terminou com Nina Kraviz no Palco Primavera Bits.
O festival regressa no próximo ano, uns dias mais tarde: 11 a 13 de junho, já com a confirmação dos americanos Pavement. Corram, este é um dos dois únicos concertos da banda a nível mundial. De volta ao Parque da Cidade em 2020?
Texto: Carina Soares & Iris Cabaça
Fotografias: Iris Cabaça
NOS Primavera Sound: quando o flamenco vai além fronteiras
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junho 11, 2019
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