Festival Iminente 2019: política e arte de mãos dadas
"Sabes kual é a xenxaxão de naxer
e estudar na tuga? É a mesma de abrires um álbum de fotos da tua família e tu ñ
estares lá". Podemos ler esta frase na obra que Herberto Smith, fotógrafo
português, escolheu apresentar no enorme placard que se encontra do lado
direito do Palco Outdoor do Festival Iminente. Talvez esta seja a melhor forma
de explicar a necessidade da existência deste festival, não só pela qualidade
dos artistas, mas também pelas oportunidades criadas a uma comunidade que sofre
frequentemente de discriminação cultural. As paredes do Panorâmico de Monsanto
e os palcos, dedicados à exploração das mais variadas formas de arte urbana,
foram preenchidos durante 4 dias (de 19 a 22 de setembro) com mais de 100 artistas de 11 nacionalidades
diferentes, com a identidade lusófona, direitos humanos e liberdade em
principal destaque.
Vado Más Ki Ás inaugurou o
festival, cujo primeiro dia se dedicou na exploração da nova geração de rappers
emergentes em Portugal, com excelentes exemplos do que se faz em português e em
crioulo. Esta última língua, que raramente vê oportunidade de se apresentar em palcos
destas dimensões apesar de já ter um público bastante grande, levou vários
representantes de diferentes zonas suburbanas que se espalharam pelos 4 dias do
festival. Kappa Jotta dividiu horários com Rafa G, com um público
ainda tímido, que só se começou a mostrar mais forte com a entrada de Holly
Hood em palco, que tocou todos os seus hits que queríamos ver e cantar,
como Miúda e Fácil, e ainda músicas inéditas. Ao mesmo tempo, Scúru
Fitchadu espalhou o seu funaná punk pelo espaço do palco cave, com
convidados como Chullage ou Bdjoy.
Os Força Suprema
apresentaram-se em formato banda, com bateria, baixo, guitarra, teclas e dj,
numa mistura entre os clássicos e os mais recentes, ainda com aparições de
algumas músicas das suas respetivas carreiras a solo. Calhou a Apollo G
encerrar o palco outdoor, com o seu trap com uma essência afro e a sua energia
imparável que o leva até a fazer mortais, na companhia frequente de Yohan 258,
que foi chamado várias vezes ao palco.
O segundo dia, dia 20 de setembro, teve um andamento
mais lento no início, talvez pelas previsões de chuva que eram dadas para essa
sexta feira. No entanto, isso não impediu Pedro Mafama de motivar tanta
gente a ir para o recinto logo às 18h30. O artista que funde trap e kuduro com
melodias vocais inspiradas em fado tentou estar sempre a cativar o seu público,
que podia ter sido mais responsivo, mas isso não impediu que a festa tivesse
sido feita.
Entretanto começara David Bruno no palco cave, que começou por tocar o seu primeiro disco a solo, O Último Tango em Mafamude, para depois saltar para um dos momentos mais esperados do dia e performar o álbum que saíra no dia anterior, Miramar Confidencial. Acompanhado como sempre por Marquitos na sua guitarra ao mesmo tempo selvagem e sensual, que se funde de forma perfeita na sonoridade dos álbums, dB ofereceu autocolantes, contou histórias sobre as músicas dos seus álbuns, proporcionando, como sempre, um momento de boa disposição ao público que disfrutava do bom humor e da boa música do carismático artista gaiense. A cereja no topo do bolo foi a última música do concerto, Tenho que bazar, passar no McDrive, que nos levou aos tempos de 4400 OG. A dose dupla de concertos que dividiu o público entre os palcos foram as três irmãs israelitas que constituem A-Wa, que trouxeram a Monsanto uma sonoridade que nos remete ao deserto do Vale do Arabá e levantaram os pés de quem estava a ouvir, e Large Professor, que nos transportou para o universo do hip hop clássico de Nova Iorque, acompanhado por momentos por DJ Joe Fatal e Raw Wattage.
À boleia desta onda de hip hop, Common
subiu ao Palco Outdoor para um dos momentos mais esperados da noite. O rapper
de Chicago é talvez quem carrega maior peso histórico às costas de todo o
cartaz, e fez juz à sua extensa carreira ao atravessar muitos dos seus
clássicos, como The Light e Glory, passando ainda por feats como Get
Em High e pelo primeiro verso rap que escreveu com apenas 12 anos,
acompanhado de bateria, teclado, baixo, DJ e coros.
No entanto, este concerto acabou por não conseguir puxar toda a gente para fora do palco cave, no qual Mike11 se preparava para começar. Apesar do atraso de 30 minutos, talvez para evitar partilhar tanto tempo de concerto com o rapper norte americano, a performance do artista português que faz da sua guitarra portuguesa o ponto de fusão entre a sua cultura e o hip hop e pop. As músicas beberam influências de reggaeton, beats africanos, hip hop dos anos 2000, criando um estilo bastante único e característico dentro do espectro da música genérica. Mike fez de tudo, desde cantar a puxar pelo público, mas o que deixava o público com um brilhozinho nos olhos era a sua qualidade sempre que pegava na sua guitarra híbrida que de um lado tinha uma guitarra portuguesa e do outro uma acústica (esta segunda acabou por não ser utilizada sequer, o que nos fez questionar sobre o propósito da escolha deste instrumento tão peculiar). Como esperado, My Tata, produzida pelo lendário Scott Storch e com a participação de Jeremih, foi a que mais mexeu com o público.
No entanto, este concerto acabou por não conseguir puxar toda a gente para fora do palco cave, no qual Mike11 se preparava para começar. Apesar do atraso de 30 minutos, talvez para evitar partilhar tanto tempo de concerto com o rapper norte americano, a performance do artista português que faz da sua guitarra portuguesa o ponto de fusão entre a sua cultura e o hip hop e pop. As músicas beberam influências de reggaeton, beats africanos, hip hop dos anos 2000, criando um estilo bastante único e característico dentro do espectro da música genérica. Mike fez de tudo, desde cantar a puxar pelo público, mas o que deixava o público com um brilhozinho nos olhos era a sua qualidade sempre que pegava na sua guitarra híbrida que de um lado tinha uma guitarra portuguesa e do outro uma acústica (esta segunda acabou por não ser utilizada sequer, o que nos fez questionar sobre o propósito da escolha deste instrumento tão peculiar). Como esperado, My Tata, produzida pelo lendário Scott Storch e com a participação de Jeremih, foi a que mais mexeu com o público.
Seguiu-se outros dos maiores
momentos do festival: Mayra Andrade. A artista cabo Verdiana, que
atingiu recentemente fama internacional com o seu álbum de 2019 Manga,
conseguia criar uma bolha com o seu ambiente e transportar todo o público para
dentro dela, público este que sentiu o quentinho que Mayra lhes transmitia, e
lhe devolvia com aplausos, gritos, e ao cantarem em coro as suas letras. Celebrou-se
a humanidade com emoções fortes, o amor como palavra chave, e a humildade da
artista perante os outros, sejam eles o público ou a própria banda, que teve o
devido espaço para brilhar. Dificilmente este concerto não ficará no coração de
quem viu, pois, apesar da chuva intensa durante toda a performance, o público
recusou-se a arredar pé, valorizando mais o quente que Marya lhes trouxe à alma
que o frio das gotas de águas que se sentia no corpo.
Encontramo-nos, no entanto, noutro momento de colisão de horários, algo que o Iminente nos habituou já (se calhar dividir a atenção do público para dois sítios diferentes foi a única forma que se arranjou para que cinco mil pessoas coubessem num recinto que, apesar do seu aspeto que maravilhou qualquer pessoa que lá tenha ido, tem as suas limitações em termos de espaço). Enquanto Mayra cantava e encantava à chuva, um génio sírio preparava-se para atuar no palco cave, génio esse que o ano passado foi cabeça de cartaz deste mesmo festival e levou milhares de pessoas a ir visitar Monsanto. Rizan Said é não só responsável pela carreira de Omar Souleyman mas também pela produção de centenas de discos e bandas sonoras, espalhando o dabke pelos quatro continentes. O azar que teve no seu horário não o impediu de se dedicar ao pouquíssimo público que tinha no início, partindo logo num ritmo estonteante ao qual já nos habituou durante uma hora, com os seus dois sintetizadores, onde tocava e lançava loops e samples. Progressivamente o público foi aumentando, culminando numa festa que encheu a cave de corpos dançantes e sorridentes.
Calhou a DJ Firmeza e Shaka Lion encerrarem os palcos, o primeiro com a sonoridade batida irreverente que enche espetáculos por todo o mundo, apadrinhado pela editora Príncipe, pela qual lançou recentemente o seu EP Ardeu, o segundo com uma abordagem maior em relação ao palco, espalhando a mistura de house com batidas afro no meio de plantas exóticas, com a presença de vários convidados, estando entre eles dois percussionistas, um guitarrista e ainda uma bailarina. O special act de Shaka Lion veio mostrar o crescimento do DJ barreirense, que tem percorrido a capital e já passou fronteiras, um ano depois de um set memorável no Palco Cave do festival. Foi, talvez, o maior e melhor espetáculo que deu até ao momento.
Texto: Francisco Couto
Fotos: Iris Cabaça
Festival Iminente 2019: política e arte de mãos dadas
Reviewed by Watch and Listen
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setembro 30, 2019
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