Hollywood da Netflix: e se a verdadeira história tivesse sido esta?
Provavelmente não foi de propósito, mas Hollywood estreou no dia do trabalhador, 1 de maio, na Netflix. Criada por Ryan Murphy (Nip/tuck, Glee, American Horror Story) e Ian Brennan (Glee, Scream Queens, The Politician), a minissérie dá um twist à história do cinema norte-americano em sete episódios.
A Segunda Guerra Mundial tinha terminado, e a cidade de Los Angeles é o boom
da indústria cinematográfica americana, onde todos querem ser uma
estrela. Nos Ace Studios, uma referência aos Paramount Studios, é onde a
magia das câmaras acontece. Pode parecer mais outro cliché em que tudo é
cheio de glamour, mas mostra o lado mais negro da história
repleto de sexismo, racismo, homofobia e abusos sexuais. Contudo, tem um
final feliz e merecido e o pensamento de que teria tudo evoluído se
tivesse acontecido tal e qual como na série.
O plot gira à volta da realização de um filme apelidado Peg, inspirado na atriz Peg Entwistle que se suicidou em 1932 porque as suas cenas em Thirteen Woman
foram cortadas. Acabou por se atirar da letra H do sinal de Hollywood.
Porém, Dick Samuels (Joe Mantello), Raymond Ainsley (Darren Criss) e
Archie Coleman (Jeremy Pope) reescrevem essa história, mudam o título
para Meg e escolhem Camille Washington (Laura Harrier) como protagonista e é a primeira atriz negra a ter um papel principal no grande ecrã.
A
partir daí enfrentam sérios problemas. Pois, o dono dos Ace Studios,
Ace Amberg (Rob Reiner), não quer lançar o filme por ter medo das
consequências, apesar de gostar do mesmo. Depois Camille, Raymond,
Archie e Rock Hudson (Jake Picking) recebem ameaças de morte e do Ku
Klux Klan, uma organização terrorista de extrema-direita. E o advogado
de Ace queima as películas após a morte do seu cliente. Tudo acaba por
ser resolvido quando o editor confessa que fez uma cópia para si. Agora
com Avis Amberg (Patti LuPone), a mulher de Ace, à frente dos estúdios,
Dick Samuels e Ellen Kincaid (Holland Taylor), fazem a distribuição de Meg
por várias salas em todo o país e baixam os preços dos bilhetes para
que o máximo de pessoas consiga ver. Revela-se um grande sucesso e recebe
várias nomeações nos Oscars de 1948.
Assim, quase tudo parece bem, mas Hollywood
também retrata um lado nada bonito do cinema. Avis Amberg enfrenta múltiplas
críticas por ser uma mulher numa posição de poder. Mostra Henry Willson
(Jim Parsons) a abusar sexualmente dos seus clientes que eram jovens
atores capazes de fazerem tudo e mais alguma coisa por um papel, sendo
que, lhes pedia favores sexuais ou os obrigava a dormir com outros
homens, enquanto ele assistia. Também fala do racismo persistente e falta
de oportunidades de diferentes etnias no cinema quando se vê a atriz
Camille Washington e o argumentista Archie Coleman a enfrentarem
obstáculos pela cor da sua pele. E, também, a atriz de ascendência chinesa Anna
May Wong (Michelle Krusiec) a perder papéis de personagens asiáticas
para atrizes brancas. E ainda, a homofobia presente na altura, onde
vários atores, produtores, agentes, diretores, entre outros, tinham de
esconder a sua sexualidade, apesar dos rumores. Na série, Archie Coleman
e Rock Hudson assumem publicamente a sua relação na noite de Oscars, o
que origina opiniões negativas.
Com algumas partes
ótimas e outras menos boas, a história parece tão perfeita que até
desejamos que fosse real e tivesse acontecido assim. Por momentos, e com
tantas estrelas reais da grande tela, até acreditamos na sua veracidade.
Infelizmente, o progresso de evolução não foi a realidade. Sim, Rock Hudson, Henry Willson,
Anna May Wong, Vivien Leigh, George Cukor, Cole Porter e Hattie
McDaniel, a primeira mulher negra a ganhar um oscar e interpretada por
Queen Latifah, foram todos personalidades durante os anos 40 e/ou
posteriormente. Com algumas diferenças nas suas histórias, como, Anna
May Wong nunca ganhou um oscar, Rock Hudson nunca assumiu a sua
sexualidade e só foi descoberta depois da sua morte por HIV em 1985. Já
Henry Willson nunca produziu um filme com um casal gay e quando se
descobriu a sua sexualidade, perdeu os seus clientes e desenvolveu
adições de drogas, álcool e tornou-se paranóico até
morrer em 1974.
Ernie West (Dylan McDermott) é uma
personagem fictícia. Ele gere um posto de combustível, o Golden Tip, que
leva os clientes para a Dreamland, um código para sexo, e é onde Jack
Castello (David Corenswet) trabalha antes de contracenar em Meg ao lado
de Camille Washington, Claire Wood (Samara Weaving) que acaba por se
tornar a sua noiva, Rock Hudson e também Ernie. O local e Ernie foram
inspirados em Scotty Bowers, um fuzileiro naval norte-americano, que
teve um posto bastante semelhante.
Ao longo da série, e à medida
que se passa de episódio em episódio, não se consegue deixar de pensar... e
se tivesse sido tudo real? Se uma atriz negra tivesse ganho o oscar de
melhor atriz principal nos Oscars de 1948? Se um argumentista negro
tivesse assumido a sua sexualidade e tivesse ganho um oscar em 1948? Se
um galã de Hollywood também assumisse a sua sexualidade? Se Henry
Willson tivesse mesmo feito o primeiro filme com um casal gay? Se Anna
May Wong fosse a primeira atriz de etnia chinesa a vencer um oscar? Se
uma mulher estivesse no comando de um estúdio de cinema? Será que teria
sido tudo diferente? É bastante provável que sim. Tantos anos depois,
ainda há muitas coisas que não mudaram. A primeira e única mulher negra a
receber um oscar de melhor atriz principal foi Halle Berry em 2002 com Monster's Ball. No oscar de melhor argumento original, Jordan Peele foi o primeiro e único homem negro a vencer o oscar nessa categoria com Get Out em 2018. Além disso, até hoje nenhuma atriz de ascendência asiática ganhou um oscar de melhor atriz.
Ryan Murphy quis escrever uma «love letter to the Golden Age of Tinseltown»
(uma carta de amor à Era de Ouro de Tinseltown) e, ao mesmo tempo,
homenagear algumas pessoas e histórias que não tiveram justiça durante as suas
carreiras e enquanto viveram. O lado progressista e otimista de Hollywood é algo que fazia
falta nos anos 40 e ainda continua a fazer falta até aos dias de hoje.
A série acaba com um final feliz, o que não é habitual nos projetos de
Murphy, e ainda bem porque era o que realmente merecia.
Texto: Iris Cabaça
Hollywood da Netflix: e se a verdadeira história tivesse sido esta?
Reviewed by Iris Cabaça
on
maio 12, 2020
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