Motomai de Rosalía: review
No seu terceiro álbum, a artista catalã dá-se à liberdade de experimentar em diferentes géneros musicais com influências dos locais por onde passou nestes últimos dois anos.
Com as primeiras audições, Motomami não soava a nada de especial devido às músicas mais calmas, principalmente quando os primeiros singles foram mais mexidos, a começar por “La Fama” com The Weeknd, onde até o cantor norte-americano canta em espanhol, e um ritmo inspirado na bachata, um estilo musical e dança da República Domicana. Já o segundo single, “Saoko”, elevou mais a fasquia para o disco, por misturar reggaeton e jazz na mesma música, e interpola a “Saoco” de Wisin ft. Daddy Yankee. No terceiro single, “Chicken Teriyaki”, continuou com melodias mais mexidas numa combinação entre reggaeton e hip-hop enquanto canta sobre New York. Quando lançou estes singles, parecia que o álbum iria consistir em apenas ritmos latinos, deixando os espanhóis para trás, misturados com outros géneros mais clássicos, como fez no seu disco anterior, contudo também deu espaço para temas mais calmos.
Logo no segundo tema, “Candy”, introduz um lado mais introspetivo e canta sobre um amor perdido e dá mais importância à sua voz do que à melodia. Em “Hentai”, a sua voz acompanha uma base de piano enquanto canta a letra sensual, influenciada pela manga pornográfica japonesa. Ainda mais, nas músicas mais simples é onde a voz da artista brilha verdadeiramente, como, “G3 N15” uma balada para o seu sobrinho em que lhe pede desculpas e coloca um áudio da sua avó; a emocionante “Como Un G”, que mesmo com o uso de auto-tune se sente a emoção enquanto canta; e, a canção final, “Sakura” que parece que foi gravada ao vivo, mas usa aplausos e gritos da audiência durante a El Mal Querer Tour.
Quando vai buscar as influências tradicionais relembra o primeiro e segundo discos, Los Ángeles (2017) e El Mal Querer (2018), que é o caso de “Bulerías”, com um ritmo tradicional de flamenco; e na cover de Justo Betancourt, “Delirio de Grandeza”, uma música cubana de 1968 e com um sample de “Vistoso Bosses” de Soulja Boy.
Na parte mais experimental, estão as músicas que parecem influenciadas pela sua colaboração com Arca em 2020, “KLK”, a começar por “Bizcochito”, “Motomami”, e “Diablo”, onde James Blake canta um verso. Já em “CUUUUuuuuuute”, que tem um sample de um vídeo do TikTok de um rapaz vietnamita a contar até ao número vinte e um, é o seu momento mais experimental e inspirado, talvez, pela sua música com a artista argentina. Algo que mostra os diferentes géneros que Rosalía consegue usar nos seus trabalhos e, ao mesmo tempo, que está atenta à cultura da Internet.
“Abcdefg” é apenas a cantora à acapella a dizer o abecedário, sem incluir o L com La Rosalía, e parece mais um vídeo no TikTok e até tem o tempo correto para essa rede social. Em “La Combi Versace”, foi buscar Tokisha, com quem colaborou na música “Linda” em 2021, mas não é tão efusiva como a primeira, apesar do tema da amizade continuar assente nesta letra.
Motomami, em termos das letras, é o álbum mais pessoal de Rosalía até à data, pois o anterior foi inspirado numa obra chamada Flamenca, o que experimentou mais com melodias tradicionais e outras mais modernas, e, ao mesmo tempo, o mais incoerente por ter tantas partes diferentes. Em dezasseis músicas, a artista mostra postais musicais das suas viagens pela América Latina e do Norte ao longo da criação do álbum, o que corre bem muitas vezes, mas noutras nem por isso. Quanto ao conceito, infelizmente não é tão forte como o anterior, El Mal Querer, que foi tão aclamado pela crítica e fãs e teve um sucesso estrondoso para uma artista espanhola. Se há algo que este trabalho mostra é que a cantora conseguiu aperfeiçoar músicas curtas e rápidas que ficam no ouvido durante algum tempo, o que andou a fazer desde “Con Altura”, em 2019, e continuou a fazer noutras colaborações até este momento. E não, não é intemporal como o álbum anterior, mas funciona bem nos algoritmos do Spotify e redes sociais.