NOS Primavera Sound 2022: Dia 3 - dançar com Pabllo Vittar e recordar com Gorillaz
O terceiro e último dia da edição de 2022 do NOS Primavera Sound foi mais um dia esgotado para a história do festival. De caras o dia mais cheio de todos, foi difícil circular pelo festival sem encontrar filas para tudo e mais alguma coisa - o que levantou alguma insatisfação por parte dos festivaleiros. Ainda assim, não foi de espantar: o dia que trouxe Gorillaz a solo nacional depois de vinte anos tinha tudo para fazer mexer mundos e multidões.
David Bruno abriu o terceiro dia do palco Super Bock. Para quem desconhece o estilo artístico de David Bruno, encontrar este concerto a abrir o palco secundário do festival pode parecer meio que uma piada. A verdade é que David Bruno nos levou numa viagem não só pela cidade do Porto, mas também pela cidade de Gaia, e não faltaram fãs fiéis ao artista e àqueles que o acompanhavam em palco - os gritos pelo Bandeiras e pelo Marquitos não enganavam. O concerto começou com um mini DJ set do aclamado Bandeiras - que ocupou o palco com o seu característico TOP, TOP, TOP e lançou rosas ao público. David Bruno entra em palco já a mencionar que tem cinquenta minutos e arranca com "Praliné". A interação com o público é feita num tom familiar - como se estivesse a dar um concerto para umas quantas centenas de amigos que vieram ao Primavera só por ele. Não deixa de dedicar o tema "Mesa para dois no Carpa" a «todos os restaurantes em Portugal que ainda servem em travessas de inox». Com Miramar, Gondomar e Mafamude a serem aclamadas pelo público, este concerto serviu para mostrar que David Bruno levou a geografia do Grande Porto aos palcos de norte a sul e o Primavera não foi excepção. E, para quem nada em Miramar é um segredo, não foi de espantar que mencionasse onde esteve Nick Cave - que, de todos os lugares onde podia ter ido, escolheu Miramar. Tocou ainda a música que «não lança nem por um milhão de euros» - "Lamborghini na Roulotte". Os concertos de David Bruno mostram na perfeição a excentricidade absurda do ser português e transformam as mais pequenas coisas da experiência colectiva enquanto povo em músicas extremamente viciantes, compostas através de beats e samples que fazem qualquer um abanar os ombros e ficar mais um bocado com os olhos no palco. Falta ainda falar das músicas que provocaram maior entusiasmo no público. "N Gosto K Me Mentem", do álbum Miramar Confidencial (2019), levou o público a cantar um loop de não gosto que me mentem, tu sabes que não gosto que me mentem, depois de uma pequena história sobre o colega que inspirou esta música. As colaborações com Mike El Nite também são as favoritas do público - não fossem "Interveniente Acidental" ou "Inatel" alguns dos momentos onde mais alto se ouve a audiência. É quase absurdo pensar em dançar uma música sobre bifanas, sobre ficar num hotel com descontos ou sobre ser chamado a tribunal - e, ainda assim, o fenómeno que é David Bruno não deixa ninguém indiferente. Sejam de Lisboa, da Madeira ou de Caxinas, vão todos gritar "Gaia! Gaia! Gaia! Gaia!" para honrar a música de David Bruno.
Já não é novidade que o NOS Primavera Sound tem vindo cada vez mais a apostar em artistas que trazem o espanhol aos palcos. A chilena-americana Paloma Mami despertou o interesse do público - foi até comparada à espanhola Rosalía, que fez parte do cartaz do festival em 2019 - e não desiludiu. Paloma aproveitou para destacar as dançarinas que arrancaram com o espectáculo, mesmo antes da cantora entrar em palco, e disse que ia mostrar ao Primavera a energia chilena. Ouviu-se Mami e o palco Super Bock rendeu-se à vibe de Paloma, que fez perceber imediatamente o porquê de ser uma das nomeadas a Best New Artist nos Latin Grammy Awards. A artista começou a sua carreira em 2018, mas só no ano passado é que lançou o seu álbum de estreia - Sueños de Dalí (2021) -, que mistura o folclore chileno com o R&B, o reggaeton e o trap. Paloma Mami mostra-se segura do seu poder feminino e da sensualidade associada às letras que fazem parte do seu repertório, algo que se reflete na maneira como se apresenta em palco e como interage com o público. Tem o palco como um mundo aos seus pés e esta sabe-o - é impossível tirar os olhos dela, não só pela intensidade da voz, mas também pela forma como se mexe e como se entrega ao ritmo que caracteriza a sua performance. É com "Not Steady", a música que marcou o inicio da sua carreira, que o público canta You call, I dub, I don't pick up, I don't give a f*ck, I think it's done already, acompanhando a letra através dos ecrãs que fazem referências à cultura e-girl e a anime, presentes ao longo do espectáculo. Um dos momentos que também gerou mais movimentação por parte do público foi a colaboração que Paloma tem com Ricky Martin - "Qué Rico Fuera". Apesar de este último não ter estado presente, foi suficiente para despertar os mais adormecidos - não fosse Ricky Martin um dos nomes mais conhecidos da música latina. Do alinhamento, fizeram ainda parte temas como "Goteo", "For Ya", "Fingías", "Cosas de la vida", "Religiosa" e "I Love Her".
Ao terceiro dia, tentou perceber-se onde ficava o mítico CUPRA x BOILER ROOM. Escondido num caminho assinalado com setas azuis, algures entre o Palco Bits e o palco Super Bock, foi o primeiro ano em que existiu este palco, que até contou com um host. Com um line-up constituído maioritariamente por artistas emergentes do panorama português, este palco quase que esteve encarregado de pôr toda a gente a dançar no festival, independentemente da hora. Ainda assim, os horários deste palco de pequena dimensão - na verdade, uma pequena tenda - não constavam nos horários oficiais distribuídos através das redes sociais do NOS Primavera Sound; no primeiro dia, ninguém soube nada de horários e, no segundo e terceiro dia, foi feita uma publicação nos stories para orientar os festivaleiros. Foi com chungadaddy, nome artístico de Beatriz Valleriani, que arrancou o primeiro DJ set do terceiro dia de Boiler Room. Introduzida ao mundo do Boiler Room como uma artista que traz a palco as influências do funk, do afro e do UK Garage, o set de chungadaddy contou com uma mistura de vários estilos, desde o funk ao trap. Encheu o palco, meteu toda a gente a dançar e ninguém quis ir embora quando o set chegou ao fim. Podem acompanhar o trabalho de chungadaddy através do programa mensal na Rádio Quântica, onde apresenta o set DADDY ISSUES, e ainda a passar música em várias salas e festivais do panorama alternativo português.
Pabllo Vittar trouxe o funk brasileiro ao NOS Primavera Sound. Sem dúvida, este foi o nome que mais questões levantou quando foi anunciada a sua confirmação e que levou muitos a dizer que é um nome que não pertence ao estilo do público do Primavera. Verdade ou mentira, o facto é que o palco Super Bock encheu perante a chegada da drag queen brasileira e ninguém conseguiu ficar parado. Pabllo Vittar levou consigo uma legião de fãs, que esperaram fielmente pela sua performance, ocupando as grades com glitter, outfits excêntricos e bandeiras LGBT. Foi, talvez, a primeira edição do NOS Primavera Sound onde nos cruzámos com drag queens a descer o relvado para o palco Super Bock e já estava mais do que na altura. O espectáculo arrancou com o hit "Buzina" e com uma Pabllo Vittar a pedir ao público para sair do chão - e o público nunca teve tempo nem vontade de parar de dançar com a artista brasileira. Ninguém ficou indiferente à energia da cantora e dos dançarinos que a acompanhavam em palco - era quase proibido não estar a abanar o rabo ao som das músicas de Pabllo Vittar, quase como um baile funk a céu aberto. As favoritas do público corresponderam também às músicas mais reconhecidas por quem já ouviu Pabllo Vittar na noite portuguesa - "Amor de que", "Parabéns", "Selvaje" e "Rajadão" do álbum 111 (2018), não faltou também "Corpo Sensual" ou "Open Bar". Um dos momentos que deixou a audiência a gritar e a fazer tremer o chão foi com o tema "Bandida", que levou Pabllo Vittar a mostrar que as suas nádegas têm vida própria e que nem o chão é o limite. Foi com "K.O." - que dedicou a todos os apaixonados da audiência - do álbum Vai Passar Mal (2017), que fechou o concerto. Do alinhamento, fizeram parte também colaborações como "Flash Pose" - com Charli XCX -, "Na Sua Cara" - com Anitta e Major Lazer -, e "Follow Me" - com Rina Sawayama, que fez parte do segundo dia do festival. O funk tomou o Primavera Sound de assalto e ninguém ficou indiferente. A audiência deixou Pabllo Vittar de lágrimas nos olhos naquela que foi a estreia de Vittar no Porto e não se cansou de enaltecer a voz e a dança da artista funk brasileira.