Salto no M.Ou.Co: Sempre que o Desamor os quiser



Jean Claude Van Damme. Silvio Berlusconi. Julio Iglesias. David Beckham. O que une estas quatro personalidades, aparentemente sem qualquer ligação entre elas? Um certo charme, um quê de je ne sais quoi, um magnetismo romântico que nos leva em busca dum mistério. Mistério esse desconhecido de muitos e encontrado por poucos.

Levado ao seu extremo no dia 14 de fevereiro de cada ano que corre. O seu nome? Paixão. Tão intensa por vezes que leva ao seu contrário: um desamor tão real, tão profundamente sentido que deixa cicatrizes por anos vindouros.

Como prova dessa paixão intensa, e desse desamor ainda mais agudo, o dia de São Valentim chegou ao Porto com antecedência. Foi no M.Ou.Co., um recente espaço cultural na cidade Invicta, que os Salto presentearam o público com uma forma de terapia mais barata. Por entre originais e versões de outros artistas, o consultório emocional esteve aberto cerca de hora e meia, onde se pôde ouvir, entre muitos outros autores trágico-românticos, Roberto Carlos e B Fachada. Mas já lá vamos.

Ao entrar na sala, somos recebidos por uma escolha musical imaculada, que nos acolhe e prepara para o que há de vir. Fica, no entanto, a nota de que nada nos iria preparar para o que iria vir. Ouvimos falar do Corazón Partío de Alejandro Sanz e como Ninguém, Ninguém é mais forte que o amor de Marco Paulo. Assim que José Pinhal acaba as suas perguntas à Bola de Cristal, os anti-cupidos da noite sobem a um palco decorado com caixas de praliné de gama baixa (mas com perfeita relação preço-qualidade!).


A soirée começa com Sempre Que o Amor Me Quiser, de Lena D’Água, que cresce na voz de Guilherme Ribeiro e o público cresce com ele, cometendo a clara ilegalidade de se apaixonarem por uma voz num concerto que é sobre o desamor. Entrecortada por entre dois originais, como pedaços vagos de memória que sobram na manhã seguinte, chega A Noite Passada de Sérgio Godinho.

Mas os Salto não vieram só para mostrar o melhor do coração partido alheio. Também eles calcorrearam essas estradas e, portanto, trouxeram consigo originais do seu último álbum Língua Afiada. Um álbum mais maduro, com um som reinventado que vai buscar às teclas saltitantes de Luís Montenegro, às linhas de baixo tight de Filipe Louro e ao metrónomo milimétrico da bateria de Gil Costa a cama perfeita onde deitar a voz e a guitarra de Guilherme Ribeiro. Uma sonoridade que salta entre A Mesma Paz e Erva Daninha que conjugam bem com uma power walk de fones nos ouvidos, os falsettos a la Ezra Koenig de Terra de Ninguém, e Afio a Língua com a batida das danceterias do passado. Nenhuma delas faltou num concerto onde também se juntaram Aos 30, Sai, Anda Lá e Cidade Farta.

Não há desamor igual ao de um triângulo amoroso. Grandes histórias de amor foram feitas tendo na base esta figura geométrica do romance, como por exemplo a de Charles e Camilla Parker Bowles. E eis que surgem Roberto Carlos, Caetano Veloso e Jards Macalé, formando o trio brasileiro masculino da noite. O primeiro canta sobre o seu grande Amigo, na moda dos grandes historiadores que falam sobre Aquiles e Patroclus. Veloso, por sua vez, leva-nos a clamar Não Me Arrependo, apesar de todos nós já nos termos arrependido de alguém (negação é o primeiro de cinco passos no caminho para a aceitação). Jards Macalé fecharia o ciclo, com o público lavado em lágrimas e repleto de Soluços. Gal Costa iria juntar-se com Baby apenas mais tarde, trazendo a energia que todos precisamos de manifestar para 2023.

A secção lacrimosa PT-PT ficaria ao encargo de Desamor de B Fachada, Tudo no Amor dos Clã e Adeus Que Me Vou Embora de António Variações. Por esta altura já uma caixa de bombons chamada Vanessa fazia crowdsurf pela sala, cortesia de Luís Montenegro que, depois de um monólogo trágico sobre o destino de quem se abre a deixar-se conhecer, convidou os seus ouvintes a sentir a doce amargura do destino. E do chocolate com brandy.

Qualquer sessão de terapia ficaria incompleta sem um passeio pelo passado, uma libertação catártica de quem aceitou bem o seu passado. Mar Inteiro e Lagostas surgem para mostrar que o nosso passado também tem grandes êxitos. Eis o quinto passo, o culminar da sessão terapêutica: a aceitação. Não sem antes uma baqueta sair a voar das mãos de Gil Costa a meio de uma canção, mostrando a turbulência deste processo.

Quem entrou solteiro certamente saiu numa relação poliamorosa com os quatro membros dos Salto. E isso é, evidentemente, a tragédia amorosa mais bonita que alguma vez foi registada.

 

Salto @ M.Ou.Co 

Texto: Luís Pereira

Fotos: Francisca Larawan

Salto no M.Ou.Co: Sempre que o Desamor os quiser Salto no M.Ou.Co: Sempre que o Desamor os quiser Reviewed by Luís Pereira on fevereiro 13, 2023 Rating: 5

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