Primavera Sound Porto 2023: Dias 1 e 2 - Os dias em que esperámos a chuva passar e o tempo abrir
Os primeiros dois dias do Primavera Sound Porto 2023 trouxeram Kendrick Lamar, Rosalía e muita chuva para abrir a pista de dança enlameada.
Das últimas cinco edições do Primavera Sound Porto, três foram passadas à chuva. Em 2018, Nick Cave mandou que chovesse, e assim foi. Em 2019, Solange não passou pelos pingos da chuva que se fez sentir. Passada a pandemia, e uma edição calorenta no ano passado, foi a vez de tirar o pó às capas guardadas e aos guarda-chuvas retráteis.
O dia começou nublado mas seco, numa tarde que começou no feminino. Beatriz Pessoa abriu as festividades no recém criado palco Porto onde partilhou o seu mais recente álbum PRAZER PRAZER. Seguiu-se-lhe Georgia no palco Vodafone, que era para ter atuado na edição de 2022, tornando o palco enorme demasiado pequeno para a energia que trouxe nesta tarde. Ora a tocar teclado, ora a utilizar a sua standing drum, a cantora britânica trouxe uma boa-disposição contagiante que guiou o concerto inteiro e até mereceu alguns raios de sol. It's Euphoric, About Work The Dancefloor e Started Out foram alguns dos temas que animaram o público. A cover de Running Up That Hill ( A Deal With God) de Kate Bush, que fez sucesso em 2022 devido à quarta temporada da série Stranger Things, não podia faltar no alinhamento e levou o público ao êxtase, tendo marcado um dos melhores momentos deste espetáculo.
A continuar na onde de synth-pop, foi a vez de Alison Goldfrapp, mais conhecida por fazer parte do duo Goldfrapp, no palco Porto que, apesar do tempo cinzento, conseguiu pôr o mar de capas de chuva baratas a dançar ao apresentar o seu primeiro álbum a solo The Love Invention, editado em maio. Com uma capa azul cintilante, a fazer jus à música In Electric Blue, Alison Goldfrapp encantou e meteu o público a mexer-se como já está mais do que habituada. Do seu trabalho a solo, ouviram-se os temas como Love Invention, Gatto Gelato, So Hard So Hot e Fever (This Is the Real Thing). Para os fãs dos Goldfrapp foi possível ouvirem Rocket, Train, Ride a White Horse, incluindo os grandes hits Strict Machine Ooh La La e, assim, terem os seus desejos concretizados.
Holly Humberstone foi a calma antes da tempestade, figurativa e literalmente. Foi a ela que calhou a tarefa de abrir a noite, conquistando a hora de jantar com o seu indie pop rock, com músicas que podiam ter sido tiradas de qualquer um dos álbuns das membros de Boygenius, e apenas um disco na bagagem, Can You Afford To Lose Me? (2022). Nas filas da frente encontravam-se muitos fãs ansiosos por ouvirem a letras carregadas de teen angst, com ritmos mais calmos acompanhados por uma guitarra acústica e outros mais mexidos que levaram o público a saltar com uma alegria visível nas caras das pessoas. Assim, não precisou de fazer muito para agradar quem conhecia as suas músicas.
Quem rumou a Baby Keem já pressentia no ar alguma mudança. O palco Porto, ainda seco e relvado no início do concerto, começou a sentir os primeiros pingos de chuva no final do set do rapper norte-americano. A depressão Óscar tinha por fim chegado e não seria tão facilmente esquecida. As trombetas iniciais de family ties, a canção que tocaria duas vezes nesta noite por ser um feat com o seu primo Kendrick Lamar, foi suficiente para que, por momentos, se acreditasse que não passaria de uns chuviscos. Apesar disso, a estreia de Baby Keem em Portugal, curiosamente no mesmo festival onde o seu primo Lamar atuou pela primeira vez no nosso país, foi recebida com entusiasmo mesmo que muitas pessoas estivessem ali a guardar lugar para o último concerto naquele palco.
Foi enquanto The Comet is Coming atuavam que se abriram as torneiras do céu. Mas nem isso conseguiu travar a banda britânica de atear fogo à plateia encharcada, num feito digno de ser cantado por Adele. De regresso a Portugal, o trio formado por Shabaka Hutchings (saxofonista), Dan Leavers (teclado) e Max Hallett (baterista) trouxe o seu mais recente álbum, Hyper-Dimensional Expansion Beam (2022) ao palco Vodafone. Felizmente, a chuva não os travou de mostrarem a sua mistura brilhante de jazz, rock, eletrónica e psicadelismo, nem impediu quem estava nas primeiras filas de abanar a cabeça com as capas de chuva por cima.
Quem, no entanto, ficou a marcar lugar para o cabeça de cartaz da noite,
sentiu no corpo as condições climatéricas, uma vez que nem as capas nem
as várias camadas de roupa foram capazes de poupar os corpos de ficarem
molhados. A
intensificação da chuva levou a que uma boa parte procurasse abrigo nas
tendas da zona da alimentação, e até nas bilheteiras à porta do recinto.
Quem não arredou pé, no entanto, recebeu de volta aos palcos portugueses Kendrick Lamar, depois de um concerto inesquecível em 2016, no Super Bock Super Rock, onde apresentou o aclamado álbum To Pimp a Butterfly. Agora, ainda mais maduro, trouxe-nos Mr. Morale and the Big Steppers, do ano passado. Numa fase mais calma da sua carreira, depois das conquistas que teve com os seus discos mais aclamados - good kid, m.A.A.d city (2012), To Pimp a Butterfly (2015), DAMN. (2017) e ainda banda sonora de Black Panther (2018) - vários aspetos mudaram na sua vida profissional e pessoal. Agora sem uma banda a acompanhá-lo, sem fotografias profissionais nos seus espetáculos e com um álbum que não causou tanto furor como os anteriores, predominava a questão de como seria este concerto e conseguiu ser bastante equilibrado. Entre músicas antigas e do novo álbum, foi capaz de fazer esquecer o dilúvio. Sozinho em palco fez com que nem a lama, nem os corpos molhados, nem os sapatos sujos, nem os ecrãs estragados fossem capazes de afastar as pessoas que estavam no concerto mais esperado deste dia. Obviamente, o novo álbum mereceu mais temas no alinhamento, tais como, N95, Die Hard e Purple Hearts, mas alguns dos temas favoritos dos seus fãs também fizeram parte. HUMBLE., Swimming Pools (Drank), Bitch, Don't Kill My Vibe e Alright são alguns dos exemplos que levaram o público à euforia e fizeram valer a pena aguentar com a chuva. Perto do final, o seu primo Baby Keem juntou-se a Lamar em palco para se fazer ouvir family ties novamente. Numa era mais serena, Kendrick Lamar continua a fazer o que faz de melhor e que o destaca de outros rappers: o seu flow enquanto dita problemas do seu quotidiano.
Foi com este cenário tirado de um qualquer filme explosivo de Michael Bay que o primeiro dia encerrou. As capas foram postas a secar, as botas foram limpas e o segundo dia adivinhava-se mais calmo, pelo menos a nível climatérico.
Foi com este cenário tirado de um qualquer filme explosivo de Michael Bay que o primeiro dia encerrou. As capas foram postas a secar, as botas foram limpas e o segundo dia adivinhava-se mais calmo, pelo menos a nível climatérico.
O dia começou calmo, recebeu Arlo Parks e Alvvays a tocarem ao mesmo tempo, dividindo a plateia mas lembrando que há duas coisas que são certas em cada edição do Primavera Sound: a sobreposição de horários e os cancelamentos de artistas. Enquanto Alvvays apresentavam o seu novo disco Blue Rev, Arlo Parks cantava e dançava ao som de My Soft Machine, lançado este ano. Com a sua voz suave, voltou a encantar o público português e revelou ter as expectativas elevadas para este concerto porque, de acordo com a própria, o espetáculo que deu no Vodafone Paredes de Coura do ano passado foi um dos melhores da sua vida. Os temas Weightless, Too Good e Purple Phase vieram animar os últimos momentos de tempo seco.
A sua energia contagiante foi procedida igualmente pela de Maggie Rogers, que por diversas vezes se mostrou espantada, por sua vez, pela que emanava do público mal entrou em palco com Overdrive. A estreia da artista americana era bastante aguardada em Portugal, o que era sentido nas primeiras filas com o público a gritar "Maggie Maggie Maggie". A sua folk foi apresentada com as músicas Want Want, Be Cool e Shatter do seu mais recente álbum, Surrender (2022). Sem esquecer o tema Alaska, que a deu a conhecer ao mundo. Ainda foi possível ouvir-se um mashup de Retrograde, do primeiro disco Heard It In A Past Life (2019), com uma cover de I Wanna Dance With Somebody de Whitney Houston.
Quem esperou mais um ano pela vinda de Japanese Breakfast, depois do cancelamento do ano anterior, pôde finalmente ser brindado pela atuação da líder da banda Michelle Zaumer. O palco tornou-se demasiado pequeno para tudo aquilo que nos trouxeram, passando a pente fino o best of e dando as boas-vindas aos primeiros pingos da noite. Paprika, In Heaven e Everybody Wants To Love You fizeram valer a espera pelo regresso a Portugal.
Este pingos rapidamente se tornaram em gotas, e todas juntas formaram o último grande chuveiro do festival. Mas, se houve momento certo para que caísse chuva, foi certamente ao som do set de Fred Again. Naquele que é considerado por muitos como um dos momentos altos desta edição, Fred Gibson apresentou-se tímido mas sem amenizar na potência de Actual Life, projeto onde pega em samples de clipes tirados das redes sociais e de voice memos e os incorpora nas suas faixas. À chuva, pedindo ao público cada vez mais, convidando-nos a entrar no seu mundo, Fred Again acolheu a chuva e comandou-a para um dos grandes momentos do festival.
A cabeça de cartaz deste dia era também a mais esperada por uma grande parte do público. O seu álbum Motomami (2022), bastante diferente de El Mal Querer (2018) com o qual se apresentou neste festival em 2019, foi divisor para certas pessoas. Se em 2019, quando atuou pela primeira vez no festival após um segundo disco aclamado pela crítica, e que revolucionou a música cantada em espanhol, parecia estar num estado realmente elevado da sua carreira e a fazer sucesso com o tema Con Altura, uma colaboração com J Balvin e El Guincho, agora a fasquia elevou-se ainda mais. Algo que se nota no seu novo espetáculo ao vivo. Pois, quem esperou que a chuva acalmasse e não arredou pé da relva enlameada pôde presenciar um dos espetáculos melhor produzidos do festival, em que o ecrã contribui para uma experiência mais interativa. Por entre dançarinos com câmaras, um piano solitário e trotinetes a subir e descer o palco, Rosalía chegou para conquistar Portugal, sendo recebida por um público conhecedor das suas letras, embora em modo portunhol. Foi também nesta nova língua que Rosalía comunicou com o público, expressando a sua gratidão pelo apoio daqueles que foram capazes de enfrentar intempéries para estar ali. Como seria de esperar, o concerto foi muito mais curto dos que deu em Lisboa e Braga em novembro do ano passado, mas alguns momentos chaves continuam no espetáculo, como, o momento em que retira a maquilhagem enquanto canta Diablo. Ainda acrescentou as músicas BESO e VAMPIROS, que fez com Rauw Alejandro, o seu namorado, para o EP RR, e uma cover de Héroe de Enrique Iglesias, onde a sua voz brilhou. Com o final do concerto, a evolução de Rosalía é clara e uma verdadeira motomami está sempre a evoluir na sua arte.
Para quem não ficou cansado, o perreo de Mora foi uma tarefa fácil. Para outros, aqueles que decidiram ir descansar, esperavam-lhes mais dois dias pela frente, na primeira edição de Primavera Sound Porto com quatro dias.
Para quem não ficou cansado, o perreo de Mora foi uma tarefa fácil. Para outros, aqueles que decidiram ir descansar, esperavam-lhes mais dois dias pela frente, na primeira edição de Primavera Sound Porto com quatro dias.
Primavera Sound Porto 2023: Dias 1 e 2 - Os dias em que esperámos a chuva passar e o tempo abrir
Reviewed by Luís Pereira
on
junho 14, 2023
Rating: